terça-feira, 19 de novembro de 2013

PE avança mais na economia que no social

A seguir, íntegra do comentário de André Forastieri no Portal R7, seguida da citada reportagem escrita por Murillo Camarotto, no Valor Econômico. As partes destacadas em negrito/vermelho são por minha conta. Já que os meios de comunicação pernambucanos estão todos articulados pela candidatura de Eduardo, os textos servem como uma reflexão por outro ponto de vista.

Fontes: André Forastieri - R7 / Murillo Camarotto - Valor Econômico

Desempenho em Pernambuco desqualifica candidatura de Eduardo Campos à presidência

Publicado em 14/11/2013 às 14:08

Pernambuco piorou sob Eduardo Campos. Não há porque imaginar que faria melhor, governando o Brasil. É sua performance que deve ser avaliada, e não sua juventude ou "novas idéias". Não cabem debates vazios sobre Marina Silva, e sua suposta santidade ou suposto fundamentalismo. Marina pode e deve ser avaliada - inclusive por associar sua força política a um gestor tão medíocre. Mas é o currículo de Campos que precisa ser esquadrinhado agora.

Eduardo tem 48 anos. É formado em economia. Nunca trabalhou na iniciativa privada. Com 21 anos, em 1986, foi ungido chefe de gabinete de seu avô, Miguel Arraes. Em 1990, 25 anos, se elegeu deputado. De lá para cá só fez política. Governa o estado desde 2007. Conquistou o eleitorado como herdeiro político de Arraes, três vezes governador de Pernambuco; Eduardo foi secretário da fazenda, em uma das gestões. Vem sendo apresentado como candidato moderno e independente, próximo de empresários e ambientalistas, de tucanos e petistas. Não quer ser do contra. Diz que é capaz de "fazer melhor".

Se é mesmo, porque não fez em Pernambuco? O discurso de Campos não resiste a uma brisa de realidade. A reportagem de Murilo Camarotto, do Valor, é um tufão. Camarotto fez um levantamento detalhado dos dois últimos censos da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), e cruzou com dados dos ministérios da Saúde e Educação. Ouviu especialistas em Pernambuco. Escreveu uma reportagem de uma página. O texto é de jornal, sóbrio. As conclusões são arrasadoras para a candidatura de Campos.

A maior parte dos indicadores sociais de Pernambuco não subiu na gestão Campos. Diversos caíram. O estado caiu no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ficou estagnado em expectativa de vida. Dos 23 estados brasileiros, Pernambuco está em 17º no Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Subiu somente um degrau desde 2005, um ano antes da eleição de Campos. No ensino médio se manteve em 17º, no período. O estado é o 8º com mais analfabetos. É o 16º em acesso a abastecimento de água, 19º em consultas médicas por habitante, e por aí vai.

A desculpa que é estado nordestino e pobre não justifica. Pernambuco teve performance pior que vários estados nordestinos. E foi dos estados que mais recebeu verba federal - recebeu mais de 2 mil obras do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC.

A reportagem de Camarotto aponta melhora em alguns poucos indicadores. Mas revela um fato surpreendente. Explica porque o PIB pernambucano cresceu tanto (5,1% ao ano entre 2006 e 2012) e sua população continua com uma vida tão difícil. A professora da Universidade Federal de Pernambuco, Tatiane de Menezes, se baseia no chamado Índice Sintético de Pobreza Multidimensional para dar seu veredito sobre o governador. O índice agrega dados de acesso ao conhecimento e ao trabalho, disponibilidade de recrusos, desenvolvimento infantil, vulnerabilidade e condições habitacionais.

No Nordeste, Pernambuco foi o segundo estado que  menos baixou este indicador entre 200 e 2010. Sua posição no ranking da pobreza "multidimensional" inclusive subiu, de oitavo para sexto lugar. Segundo a economista, o crescimento do PIB se deu através de uma industrialização forçada, que atrai fábricas dando muitos benefícios fiscais e recursos do estado. "O PIB fica acima da média nacional", diz Tatiane, "mas vai para poucos empresários." E as melhores vagas, segundo ela, vão para trabalhadores que vêm do Sul e Sudeste. São fatia cada vez maior da população economicamente ativa de Pernambuco. Os pernambucanos não têm qualificação para estas vagas, justamente as melhor remuneradas.

Importante dizer que a violência caiu. Caiu 5,5% ao ano entre 2008 e 2013. Pernambuco foi dos poucos estados que conseguiu reduzir a violência no período. E com isso tudo, ainda é o segundo estado mais violento, com 38 assassinatos para cada cem mil habitantes, ficando apenas atrás de Alagoas.

A performance de Eduardo Campos faz as gestões pedestres de Aécio Neves e Dilma Rousseff parecerem brilhantes. Minas e Brasil avançaram muito mais que Pernambuco. Aliás, a maioria dos vizinhos de Pernambuco no nordeste também avançaram muito mais. Campos conquistou a avaliação de governador mais bem avaliado do Brasil à custa de factóides e relações públicas, que não resistem à análise fria dos dados.

O trabalho de Murilo, correspondente do Valor em Recife, é nova prova de que ainda há espaço - e necessidade - para o bom e velho jornalismo, investigativo e analítico. E demonstra que o Brasil não tem terceira via nas eleições de 2014. Por enquanto.


PE avança mais na economia que no social
Por Murillo Camarotto | Do Recife - 07/11/2013 às 00h00


Estudantes em fila empurrando seus carrinhos com malas em um aeroporto, cercados por uma grande quantidade de pessoas paradas em postura de expectativa.

Bernardo Soares/JC Imagem/Folhapress - 01/01/2013
Alunos do ensino público desembarcam no Recife depois de intercâmbio internacional: melhoria no fundamental é superior à do combate ao analfabetismo

A quinta-feira do último dia 5 de setembro mal começava e o saguão do Aeroporto Internacional dos Guararapes, no Recife, já estava abarrotado. Bandeiras do Brasil, de Pernambuco, cartazes, famílias, amigos, fotografias, muito choro e riso. Em pouco tempo, 50 estudantes da rede estadual rasgariam o céu sem nuvens rumo ao gélido Canadá. Serão seis meses de intercâmbio para os jovens, quase todos da periferia.

Cinegrafistas acompanhavam a algazarra naquela manhã. Batizado de "Ganhe o Mundo", o programa de intercâmbio implantado pelo governador Eduardo Campos (PSB) costuma estrelar a publicidade oficial do pré-candidato à Presidência da República. Por trás do apelo emocional do programa, entretanto, estão os indicadores da educação pública, que seguem entre os piores do país.

Levantamento feito pelo Valor com base nos dois últimos censos, na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) e em dados dos ministérios da Saúde e da Educação mostra que, apesar do crescimento econômico superior à média nacional e da popularidade do governador mais bem avaliado do país, Pernambuco não viu seus indicadores sociais ganharem posições no país. O Estado caiu no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e ficou estagnado em expectativa de vida.

Na educação, as escolas estaduais de Pernambuco têm apenas a 17ª nota nacional para os alunos do 1º ao 5º ano no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb. A posição subiu somente um degrau desde 2005, um ano antes de Campos ser eleito. Entre o 6º e o 9º anos, o Estado se saiu melhor. Passou de último no ranking nacional para 19º, ainda assim bem atrás de vizinhos como Ceará, Piauí e Maranhão.

No ensino médio, Pernambuco se manteve em 17º, superado regionalmente pelo Ceará. A performance do Estado, segundo o governo, é bem melhor quando consideradas apenas as escolas em tempo integral, cuja rede está sendo ampliada. Segundo a secretaria estadual de Educação, atualmente 122 unidades funcionam em tempo integral em um universo de mais de mil escolas.

O desempenho nos exames avança menos que os investimentos da Pasta. Desde 2010, avançaram, em média, 5,6% ao ano. A secretaria informou que estão empenhados para 2013 quase R$ 275 milhões. Infraestrutura, tecnologia em sala de aula, construção de escolas técnicas e material didático estão entre as prioridades.

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) critica a estratégia do governador, com quem tem um histórico atribulado. "É a política de algumas poucas escolas escolhidas para investir. O Estado não quer mais o ensino fundamental e vai entregá-lo aos municípios. Cerca de 600 escolas podem ser repassadas", disse o secretário de comunicação da entidade, Zélito Passavante.

Assim como vem ocorrendo em outros Estados, o governo de Pernambuco colocou em curso um plano para repassar às prefeituras a gestão do ensino fundamental, conforme descrito na Lei de Diretrizes e Bases. O governo alega que não somente a estrutura física, mas também os recursos financeiros referentes a essas escolas serão repassados aos prefeitos.

"Será prejudicial ao ensino. A precariedade de recursos e de estrutura é muito maior nos municípios. Os professores são menos qualificados na rede municipal", exemplifica Passavante.

Pernambuco também segue entre os campeões nacionais do analfabetismo. O Estado era o 8º com mais analfabetos no país em 2010, uma posição acima da ocupada em 2006. Além disso, Pernambuco foi um dos que menos reduziu a taxa no período, com desempenho inferior a quase todos os vizinhos.

Texto alternativo não disponível.

Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a economista Tatiane de Menezes se baseia no chamado Índice Sintético de Pobreza Multidimensional para atestar o resultado - segundo ela, modesto - da gestão Campos na área social. O índice agrega dados de acesso ao conhecimento e ao trabalho, de disponibilidade de recursos, desenvolvimento infantil, vulnerabilidade e condições habitacionais.

No Nordeste Pernambuco foi o segundo Estado que menos baixou o indicador entre 2000 e 2010. Assim, sua posição no ranking da pobreza multidimensional subiu do 8º para o 6º lugar no Nordeste. O pior desempenho se deu no indicador que mede a falta de acesso ao conhecimento, no qual Pernambuco saltou de 9º (melhor posição na região) para 6º.

A economista vê equívocos no modelo de desenvolvimento focado na industrialização. Para ela, o afã de atrair fábricas resulta na entrega - por meio de benefícios fiscais - de boa parte dos recursos estaduais. "Quando isso acontece [a chegada de indústrias], o PIB sobe, fica acima da média nacional, mas vai para poucos empresários", argumenta Tatiane.

Estimativa da consultoria Datamétrica aponta que, entre 2006 e 2012, o Produto Interno Bruto (PIB) de Pernambuco avançou, em média, 5,1% ao ano, performance superior à do Brasil e de todos os vizinhos do Nordeste. A economia do Estado deve ganhar ainda mais peso quando entrarem em operação grandes obras como a fábrica da Fiat e a refinaria Abreu e Lima.

Sem qualificação para ocupar as melhores vagas criadas, sustenta Tatiane, os pernambucanos se beneficiam apenas da demanda marginal resultante dos investimentos. Um dos efeitos é o avanço da fatia de trabalhadores vindos do Sul e do Sudeste na população economicamente ativa de Pernambuco. "Quando há essa política de levar o emprego à pessoa e não a pessoa ao emprego, o foco não é o desenvolvimento", defende.

Também da UFPE, a economista Tânia Bacelar relativiza a tese. A seu ver, independentemente da concessão de benefícios fiscais para atrair indústrias, os governos estaduais não reúnem condições de arcar com políticas sociais de impacto relevante. "A situação social não reflete o caixa do Estado, mas uma herança pesada, no Nordeste em particular. Os Estados não são o principal agente de transformação. Quem tem cacife para atuar é a União", reitera a economista.

Praticamente todos os indicadores sociais melhoraram significativamente nos últimos anos no país, sobretudo no Nordeste, onde a base era - e ainda é - muito fraca. O difícil, lembra Tânia Bacelar, é separar o que é política estadual e o que veio da conjuntura econômica do país.

Quando enfrentar o PT nas urnas, Campos será apontado como um dos grandes beneficiários dos investimentos federais. Especializado em economia nordestina, o professor da Universidade Federal de Alagoas Cícero Péricles lembra que Pernambuco recebeu mais de 2 mil obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Ele ressalta, contudo, que Campos aproveitou como ninguém a oportunidade. O governador montou uma equipe que se especializou em atender com eficiência de mercado os potenciais investidores. "O pernambucano tem hoje a sensação que o baiano teve nos anos 1970, de que o Estado, finalmente, entrou nos trilhos do desenvolvimento", explica Péricles.

Uma das áreas em que Campos aproveitou a ajuda federal foi a saúde. A manutenção das 15 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do Estado é parcialmente financiada pela União. Os equipamentos ajudaram a melhorar o atendimento, apesar de alguns indicadores oficiais ainda não atestarem ganho de posições. Entre 2006 e 2010, Pernambuco caiu de 16º para 19º lugar em número de consultas médicas por habitante feitas pelo SUS. O Estado também permaneceu com a 24ª expectativa de vida, terceira menor do país.

O governo rebate. A assessoria de imprensa de Campos informou que o número de consultas cresceu 152% em números absolutos nos últimos quatro anos. Não foi contestada, no entanto, a queda no índice de atendimentos por habitante. O governo prefere o Pnud ao IBGE para medir a expectativa de vida. Pelo instituto nacional, Pernambuco estava na 24ª posição em 2006 e assim permanece no ranking brasileiro de expectativa de vida. Já o indicador das Nações Unidas colocava Pernambuco na 16ª posição no ranking nacional e hoje o tem em 20º.

Já no controle da mortalidade infantil, Pernambuco teve comportamento acima da média. O Estado registrou a terceira maior taxa de redução entre 2006 e 2010, caindo da 6ª para a 16ª posição no ranking de óbitos para cada 100 mil nascidos vivos.

Os investimentos da secretaria estadual de Saúde têm ficado ao redor dos R$ 200 milhões por ano desde 2010. Campos, contudo, tem estruturado o setor. No seu segundo mandato, cujos dados ainda não estão contemplados nas estatísticas, foram inaugurados três novos hospitais na Região Metropolitana do Recife. O governador também está reformando e ampliando as principais emergências do Estado, como as dos hospitais Barão de Lucena e da Restauração.

A gestão dos novos hospitais e de algumas UPAs ficou com o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), cujo presidente licenciado, Antonio Figueira, ocupa desde janeiro de 2011 a Secretaria Estadual de Saúde. Ele é um dos cotados para suceder Campos nas eleições do ano que vem.

As melhorias no setor foram afiançadas por muitos médicos ouvidos pelo Valor, porém a saúde continua, segundo pesquisas, entre as principais queixas dos pernambucanos. Somente no mês passado, o Conselho Regional de Medicina (Cremepe) identificou e denunciou problemas estruturais e de superlotação em três hospitais estaduais. Durante os protestos de junho, enfermeiros exibiram faixas contra a gestão Campos.

"De modo geral, se o desempenho da economia tem sido destacado, mas não se sabe até que ponto essa riqueza é distribuída socialmente. O modelo adotado não está resultando em melhora significativa dos indicadores sociais. E quando melhora é porque estava muito ruim", sintetiza o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco.

Ele pondera, no entanto, que os resultados econômicos são percebidos mais rapidamente do que os sociais. Na sua avaliação, a mudança efetiva na área social vai levar uma geração para aparecer. "Mas é fato que o crescimento econômico do Estado passa a imagem de que a parte social vai tão bem quanto, o que não é verdade", completa.



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